recebi hoje o teu postal. e não recebi mais um postal. obrigado,
és linda como o aço. tens força. és inteligente e para além de saberes estar na
vida, sabes o que a mesma vale. isso para mim é tudo. bem, quase tudo! para ser tudo, terias de casar comigo. mas
estás bem casada. tens três filhos lindos e sabes o que é o amor: esse bicho
mau que se alastra por dentro de mim. tenho muitas mazelas à conta disso. sabes,
o médico prescreveu-me terapêutica, e disse-me que era uma questão de tempo
para que tudo se recompusesse. não ligo nada àquilo que ele me disse. não tomo
os comprimidos e limito-me a ver
televisão. aquelas séries baratas onde aparecem personagens que matam mulheres
simples como a susana, lembras-te? a susana do quinto andar? onde pára a
susana? tenho saudades de ouvir os sinos da igreja de benfica às sete da
madrugada, ver o pai dela sair para o emprego, e ir enfiar-me por debaixo dos
lençóis da cama dela. onde pára a susana? soube há pouco tempo que o pai dela
morreu. morreu de cirrose, coitado! coitado a merda. quis-me fazer a vida
negra. assim como fez a vida negra à mãe dela. onde pára a mãe dela? a dona conceição
que vendia bijutaria no mercado de benfica. onde os velhotes se entretinham a
bater as cartas no banco do jardim, e comentavam a vida de quem era sério, e de
quem não era. onde pára a minha vida? Será que os velhos alguma vez a
comentaram?
Luís-Carlos Mendes