a esta hora há um livro fechado
entre as tuas mãos. um livro de contos de fadas e cidades adormecidas. homens
que vivem lá dentro com a impressão inspiradora da eternidade. por vezes deitam
coisas vivas pela boca: mulheres sábias em pomares anacrónicos cobertas de uma
metafisica pujante, ou crianças que foram dadas à terra como o melhor dos
frutos. alguém diz, nesse livro, que o mundo é uma laranja cortada ao meio. uma
metade destinada à doçura da tua boca. a outra, ao náufrago na essencialidade
da sua exigência. nesse livro fechado ao pormenor, nem te apercebes da
existência invulgar de pequenos luxos capazes de lavar a alma. não te apercebes
da dimensão que tem o significado das palavras, enquanto vagueias pelo percurso
do teu sono. não existe o mar. não existem deuses mitológicos à espera que lhes
prestes a tua súplica, porque os caminhos estão saturados de toda a mitologia,
e de homens presos à sua inocência.
a esta hora há um livro fechado
nas tuas mãos. alui-se a cada gesto, a cada movimento que fazes. só as mulheres
sábias, não dão por isso. estão demasiadamente ocupadas no recolher dos frutos
gerados por outras mulheres que não sabem nada da vida. nada sabem de marujos naufragados
nas praias da metafisica. nem tampouco do sumo da laranja que te escorre pelos
lábios, enquanto os homens deitam coisas vivas pela boca.
não viste? já passou. não
precisas de acordar.
Luís-Carlos Mendes
Luís-Carlos Mendes